quinta-feira, 17 de março de 2011

Manoel de Barros


foto: pôr-do-sol em Dois Irmãos do Buriti, MS

"Quando a Vó me recebeu nas férias, ela me apresentou aos amigos: Este é meu neto.
Ele foi estudar no Rio e voltou de ateu.
Ela disse que eu voltei de ateu.
Aquela preposição deslocada me fantasiava de ateu.
Como quem dissesse no Carnaval: aquele menino está fantasiado de palhaço.
Minha avó entendia de regências verbais.
Ela falava de sério. Mas todo-mundo riu.
Porque aquela preposição deslocada podia fazer de uma informação um chiste.
E fez. E mais: eu acho que buscar a beleza nas palavras é uma solenidade de amor.
E pode ser instrumento de rir.
De outra feita, no meio da pelada um menino gritou: Disilimina esse, Cabeludinho.
Eu não disiliminei ninguém.
Mas aquele verbo novo trouxe um perfume de poesia à nossa quadra. Aprendi nessas férias a brincar de palavras mais do que trabalhar com elas.
Comecei a não gostar de palavra engavetada.
Aquela que não pode mudar de lugar.
Aprendi a gostar mais das palavras pelo que elas entoam do que pelo que elas informam.
Por depois ouvi um vaqueiro a cantar com saudade: Ai morena, não me escreve / que eu não sei a ler. Aquele "a" preposto ao verbo ler, ao meu ouvir, ampliava a solidão do vaqueiro."


Manoel de Barros

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