o que se desatou num só momento não cabe no infinito, e é fuga e vento" "mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão." Carlos Drummond de Andrade
quinta-feira, 17 de março de 2011
Cora Coralina
Vive dentro de mim
Uma cabocla velha
De mau-olhado,
Acocorada ao pé do borralho,
Olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...
Vive dentro de mim
A lavadeira do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
D’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
Pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.
Vive dentro de mim
A mulhar cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
Toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
A mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
Desabusada, sem preconceitos,
De casca-grossa,
De chinelinha,
E filharada.
Vive dentro de mim
A mulher roceira.
– Enxerto da terra,
Meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
A mulher da vida.
Minha irmãzinha...
Tão desprezada,
Tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fardo.
Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida –
A vida mera das obscuras.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário